Vídeo Documentário

Embora a proposta do blog seja a publicação de textos sobre Capoeira não poderíamos deixar de postar este excelente documentário produzido pelo pesquisador Fred Abreu, que tem muito conteúdo e conta com a participação de diversos Mestres, Babalorixás, Coreógrafos falando coisas importantes sobre a Capoeira.

Documentário - A Arte da Capoeira

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sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Zumbi dos Palmares


O Quilombo dos Palmares (localizado na atual região de União dos Palmares,Alagoas) era uma comunidade auto-sustentável, um reino (ou república na visão de alguns) formado por escravos negros que haviam escapado das fazendas, prisões e senzalas brasileiras. Ele ocupava uma área próxima ao tamanho de Portugal e situava-se onde era o interior da Bahia, hoje estado de Alagoas. Naquele momento sua população alcançava por volta de trinta mil pessoas.

Zumbi nasceu em Palmares, Alagoas, livre, no ano de 1655, mas foi capturado e entregue a um missionário português quando tinha aproximadamente seis anos. Batizado 'Francisco', Zumbi recebeu os sacramentos, aprendeu português e latim, e ajudava diariamente na celebração da missa. Apesar destas tentativas de aculturá-lo, Zumbi escapou em 1670 e, com quinze anos, retornou ao seu local de origem. Zumbi se tornou conhecido pela sua destreza e astúcia na luta e já era um estrategista militar respeitável quando chegou aos vinte e poucos anos.

Por volta de 1678, o governador da Capitania de Pernambuco cansado do longo conflito com o Quilombo de Palmares, se aproximou do líder de Palmares, Ganga Zumba, com uma oferta de paz. Foi oferecida a liberdade para todos os escravos fugidos se o quilombo se submetesse à autoridade da Coroa Portuguesa; a proposta foi aceita, mas Zumbi rejeitou a proposta do governador e desafiou a liderança de Ganga Zumba. Prometendo continuar a resistência contra a opressão portuguesa, Zumbi tornou-se o novo líder do quilombo de Palmares.

Quinze anos após Zumbi ter assumido a liderança, o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho foi chamado para organizar a invasão do quilombo. Em 6 de fevereiro de 1694 a capital de Palmares foi destruída e Zumbi ferido. Apesar de ter sobrevivido, foi traído por Antonio Soares, e surpreendido pelo capitão Furtado de Mendonça em seu reduto (talvez a Serra Dois Irmãos). Apunhalado, resiste, mas é morto com 20 guerreiros quase dois anos após a batalha, em 20 de novembro de 1695. Teve a cabeça cortada, salgada e levada ao governador Melo e Castro. Em Recife, a cabeça foi exposta em praça pública, visando desmentir a crença da população sobre a lenda da imortalidade de Zumbi.

Em 14 de março de 1696 o governador de Pernambuco Caetano de Melo e Castro escreveu ao Rei: "Determinei que pusessem sua cabeça em um poste no lugar mais público desta praça, para satisfazer os ofendidos e justamente queixosos e atemorizar os negros que supersticiosamente julgavam Zumbi um imortal, para que entendessem que esta empresa acabava de todo com os Palmares."

Zumbi é hoje, para determinados segmentos da população brasileira, um símbolo de resistência. Em 1995, a data de sua morte foi adotada como o dia da Consciência Negra. É também um dos nomes mais importantes da Capoeira[1].

Fonte: wikipedia.org

segunda-feira, 4 de maio de 2009

O TERMO CAPOEIRA




O Termo Capoeira

CAPOEIRA ANGOLA ensaio sócio-etnográfico
SalvadorEditora Itapoan1968
Edição original Waldeloir Rego – Editora Itapoan, 1968 – In-8º de 417 páginas.

O vocábulo capoeira foi registrado pela primeira vez em 1712, por Rafael Bluteau, seguido por Moraes em 1813, na segunda e última edição que deu em vida de sua obra. Após, entrou no terreno da polémica e da investigação etimológica. A primeira proposição que se tem notícia é a de José de Alencar em 1865, na primeira edição de Iracema, repetida em 1870, em O Gaucho e sacramentada em 1878, na terceira edição de Iracema. Propôs Alencar para o vocábulo capoeira o tupi caa-apuam-era , traduzido por ilha de mato já cortado. Não demorou nada, para que em 1880, dois anos depois, Macedo Soares a refutasse com violência, dizendo que o nosso exímio romancista sabia muito do idioma português, pouco do dialeto brasileiro e menos da língua dos brasis. O conselheiro Henrique de Beaurepaire Rohan, também Visconde de Beaurepaire Rohan, entre outras 18 centenas de títulos, que em 1879 havia proposto o tupi co-puera, significando roça velha, na Revista Brasileira viu-se também criticado pela pena de Macedo Soares. Exteriorizando, assim, sua indignação, brada o velho mestre:
Vimos ultimamente uma nova etimologia de capoeira, dada pelo Sr. conselheiro Henrique Beaurepaire Rohan, nesta Revista, II, 426, a qual nos não parece aceitável. Traz S.Ex.a copuera, roça velha; mas não explica como de copuera se fez capoêra. Nem se podia, senão por exceção fazer. Todas as palavras guaranis que começam por cá, mato, folha, planta, erva, pau, ao passarem para o português, guardavam a sílaba cá, sem corrupção. E não podia deixar de guardar, por ser parte substancial dos compostos que assim ficaram constituídos como palavras inteiras. E vice-versa, nas palavras portuguesas começadas por cá derivadas do guarani, significando coisa de mato, folha, pau, planta ou erva, o cá e o guarani caá. Não há exceção, e os exemplos formigam.
Com isso ficou aberta a polémica entre Beaurepaire Rohan e Macedo Soares. Desse modo, sem perda de tempo, no mesmo ano, porém no volume terceiro da Revista Brasileira, Beaurepaire Rohan, com um artigo intitulado; Sobre a etimologia do vocábulo brasileiro capoeira, dá a seguinte lição: –
Na Revista Brasileira de 15 de fevereiro último sob o título Estudos lexicográficos do dialeto brasileiro, discute o Sr. Dr Macedo Soares a etimologia e a significação dos vocábulos capão, capoeira, restinga.
Neste meu ligeiro escrito não me ocupei senão do vocábulo capoeira, atendendo a que a etimologia que dele apresentei não parece aceitável ao ilustre filólogo. Entremos na matéria.
Diz o Sr. Dr. Macedo Soares que – Capuêra, Capoêra é pura e simplesmente o guarani caá-puêra, mato que foi, atualmente mato miúdo que nasceu no lugar do mato virgem que se derrubou.
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E mais adiante: Capoeira ou caá-puêra significa mato virgem que já não é, que foi botado abaixo, e em seu lugar nasceu mato fino e raso.
Tão defeituosa definição que prova que o Sr. Dr. Macedo Soares ainda não compreendeu bem o sentido genuíno do adjetivo puêra.
Puêra não pode significar ao mesmo tempo o que foi e o que é, o passado e o presente. Puêra é sempre a expressão do pretérito.
E se caá-puera significa mato que deixou de existir seria um verdadeiro contra-senso estender semelhante significação a um acidente florestal que vive em plena atualidade, bem patente aos olhos e ao alcance de todos. Caá-puera não pode portanto ser a etimologia de capoeira. Outra devemos procurar, e a encontraremos, sem a menor dúvida, no vocábulo có-puera.
Se no sentido de roça que deixou de existir tem esse vocábulo uma significação diversa daquela que ligamos a capoeira, é todavia fácil reconhecer o motivo da confusão. Atenda-me o Sr. Dr. Macedo Soares.
Logo que uma roça é abandonada, aparece nela uma vegetação expontânea que se desenvolve a ponto de formar um mato. E esse o mato de coó-puera, que mais tarde se chamou mato de capuera como ainda hoje o dizem muitos íncolas, e finalmente por abreviação, capoeira que e a expressão mais usual. Essa transformação de copuêra em capoeira, que tão estranha parece ao distinto literato, é devida, pura e simplesmente, à semelhança dos dois vocábulos, semelhança que facilitou a mudança do o e em a. São muitos os casos em que tais substituições se tem operado sem quebra da primitiva significação de um vocábulo. E assim que tobatinga se transformou em tabatinga; tabajara em tobajara; caryboca em coriboca ou curiboca; e finalmente na própria língua portuguesa devação em devoção. Já vê o ilustre Sr. Macedo Soares que, por este lado, não pode haver a menor dificuldade em admitir que a antiga copêra seja a capoeira de agora. E isto mais simples do que a metamorfose de âruâ em aluá.
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Nas relações vulgares estão de há muito perdidas as tradições etimológicas de capoeira. Por mato de capoeira ou simplesmente capoeira, entendemos, atualmente todo e qualquer mato de medíocre estatura, quer se desenvolva em roças abandonadas, quer substitua a mata virgem que se derrubou, quer enfim cubra terrenos onde não haja vestígios quaisquer nem de roças nem de matas primitivas. São sempre matos mais ou menos enfezados, que aliás vão com o tempo adquirindo certas proporções, passam ao estado de capoeirões, e, dentro de algumas dezenas de anos, acabam por constituir florestas que se confundem perfeitamente com as matas antigas. E o que, por exemplo, se observa nas extintas missões jesuíticas de Guayra. Não sei se me exprimi de modo a convencer o Sr. Dr. Macedo Soares. Em todo caso felicito-me por ter tido a oportunidade de discutir com um literato tão estimável qual sempre o considerei. E para lhe dar mais uma prova do meu interesse pelo trabalho lexicográfico que tem entre mãos, acrescentarei que tiguéra não tem a significação de roça velha. Aquele vocábulo refere-se especialmente ao restolho de um milharal. No Rio de Janeiro lhe chamam palhada, e em certos lugares de Minas Gerais palha. Soltar os animais na palha, na palhada, no restolho ou na tiguéra é uma e a mesma coisa.
É quanto me cumpria dizer.
Ao lado dessa polémica, as investigações prosseguiram e proposições novas surgiram. Ainda no século passado se lê na Poranduba Amazonense a forma caápoêra, assim como se vê o Visconde de Pôrto Seguro, depois de discorrer em torno das acepções dos vocábulos capão e capoeira, aconselhar se escreva capoêra.
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Atualmente são quase unânimes os tupinólogos em aceitarem o étimo caá, mato, floresta virgem, mais puêra, pretérito nominal que quer dizer o que foi, o que não existe mais, étimo este proposto em 1880 por Macedo Soares. Portanto, pensando assim, estão Rodolfo Garcia, Stradelli, Teodoro Sampaio, Tastevin e Friederici que, além de reconhecer um mesmo étimo para tupi e para língua geral, define como Stellen und Streken ehemaligen Urwaldes, die Wieder mit Jungholz-Neuwuchs besidelt sind. Afora Montoya que em 1640 propôs, cocûera, chacara vieja dexada ya, Beaurepaire Rohan propôs, em 1879 a forma co-puera, roça velha. Em nossos dias, pensa assim Frederico Edelweiss que, em nota ao livro de Teodoro Sampaio, O Tupi na Geografia Nacional, refutou o étimo corrente, para dizer que
essa opinião errónea é muito espalhada. Capueira vem de kopuera – roça abandonada da qual o mato já tomou conta. A troca do o para a 22 deve-se a influência da palavra mais corrente káá, mato. Entretanto, o índio nunca chamaria ao mato novo de antigo roçado kaá-pûera – mato extinto, quando a capoeira é, na verdade, um mato renascido.
Existe no Brasil uma ave chamada capoeira (Odontophorus capueira, Spix), que além de ser encontrada no Paraguai se acha espalhada no sul da Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais, sul de Goiás, sudoeste de Mato Grosso, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. E também chamada uru, Uma espécie de perdiz pequena, anda sempre em bandos, e no chão. E mencionada freqüentemente nas obras dos viajantes, mui especial na do Príncipe de Wied-Neuwied. Depois de dizer que o canto da capoeira só é ouvido ao amanhecer e ao anoitecer, Macedo Soares, transcrevendo Wappoeus informa que a referida ave é uma pequena perdiz de voo rasteiro, de pés curtos, de corpo cheio, listrado de amarelo escuro, cauda curta e que habita em todas as matas. Tem um canto singular, que é antes um assobio trémulo e contínuo do que canto modulado. E também caça muito procurada e que se domestica com facilidade.. No mesmo local, Macedo Soares informa que o canto da capoeira era utilizado através do assobio pelos caçadores no mato 23 como chama, e os moleques pastores ou vigiadores de gado para chamarem uns aos outros e também ao gado. Dessa forma o moleque ou o escravo que assim procedia era chamado capoeira.
Ainda com ligações à ave é Nascentes que em 1955, na Revista Brasileíra de Filologia, apresenta uma proposição diferente da que deu à luz em 1932, em seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa e em 1943, quando concluiu a redação da última ficha do dicionário que a Academia Brasileira de Letras lhe encomendara. Nascentes ao explicar como o jogo de capoeira se liga à ave, informa que o macho da capoeira e muito ciumento e por isso trava lutas tremendas com o rival, que ousa entrar em seus domínios. Partindo dessa premissa, explica que Naturalmente, os passos de destreza desta luta, as negaças, foram comparadas com os destes homens que na luta simulada para divertimento lançavam mão apenas da agilidade.
Ao lado do vocábulo genuinamente brasileiro de origem tupi, há o português, significando entre outras coisas cesto para guardar capões, já com abonações clássicos, como a que se segue de Fernão Mendes Pinto, onde o vocábulo aparece bem caracterizado: –
E pondo recado & boa vigia no que conviha, nos deixamos estar esperando pela manham; & As duas horas depois da meya noite enxergamos ao Orizonte do mar tres cousas pretas rentes com a agoa, & chamamos logo o Capitão q a este tempo estava no conves deitado encima de huma capoeyra, & lhe mostramos o q viamos, o qual tanto q vio tambem, se determinou muyto depressa, & bradou por tres ou quatro vezes, armas, armas, o que logo se satisfez em muyto breve espaço.
Daí Adolfo Coelho derivar o vocábulo de capão mais o sufixo eira, seguido por 24 Cortesão. Nascentes, no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa segue as pegadas de Adolfo Coelho, limitando-se a fazer a derivação do vocábulo sem mais nenhuma explicação. Entretanto já no Dicionário da Língua Portuguesa elaborado pela Academia Brasileira de Letras inclui sob a mesma origem, capoeira (jogo) e capoeira o homem que pratica o jogo da capoeira, sem contudo ainda explicar o que determinou o étimo.
Tendo como base capão, do qual Adolfo Coelho tirou o étimo de capoeira para o português, Beaurepaire Rohan faz o mesmo para o vocábulo capoeira na acepção brasileira, apresentando em defesa de sua opinião a seguinte explicação: –
Como o exercício da capoeira, entre dois indivíduos que se batem por mero divertimento, se parece um tanto com a briga de galos, não duvido que este vocábulo tenha sua origem em Capão, do mesmo modo que damos em português o nome de capoeira a qualquer espécie de cesto em que se metem galinhas.
Brasil Gerson, o historiador das ruas do Rio de Janeiro, fazendo a história da rua da Praia de D. Manoel, mais tarde simplesmente rua de D. Manoel, informa que lá ficava o nosso grande mercado de aves e que nele nasceu o jogo de capoeira, em virtude das brincadeiras dos escravos que povoavam toda a rua, transportando nas cabeças as suas capoeiras cheias de galinhas. Partindo dessa informação é que o pioneiro de nossos estudos etimológicos, o ilustre mestre Antenor Nascentes 25 se escudou para propor novo étimo para o vocábulo capoeira designando o jogo atlético, assim como o praticante do mesmo. Por carta de 22 de fevereiro de 1966, que tive a honra de receber, Nascentes deixa bem claro o seu pensamento:–
A etimologia que eu hoje aceito para Capoeira é a que vem no livro de Brasil Gerson sobre as ruas do Rio de Janeiro.
Os escravos que traziam capoeiras de galinhas par vender no mercado, enquanto de ele se abria, divertiam-se jogando capoeira. Por uma metonímia res pro persona, o nome da coisa passou para a pessoa com ela relacionada.
Como se vê, as proposições divergem umas das outras, fazendo com que não se tenha uma doutrina firmada sobre este ou aquele étimo. Creio que só se pode pensar em nova proposição com o desenvolvimento dos estudos sobre o negro no Brasil, o que, praticamente, está por se fazer. Caso contrário, estaremos sempre construindo algo sem ter alicerces para plantar, que no caso seria o conhecimento de novos documentos, relativos ao negro.
O vocábulo capoeira, em suas diversas acepções está espalhado em todo o território nacional como no Amazona, Para, Maranhão, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Goiás, Rio Grande 26 do Sul. De um modo geral, está registrado em glossários regionais e especializados, como no de Clado Ribeiro Lesa Teschauer, Viotti, Agenor Lopes de Oliveira, Nascentes, Bernardino José de Souza, Cascudo, Plínio Ayrosa, Rodolfo Garcia, e outros. E bom lembrar, aqui, que, dentre os brasileirismos que Alberto Bessa incluiu na sua A Gíria Portuguesa, está o vocábulo capoeira que ele define como jogo de mãos, pés e cabeça, praticado por vadios de baixa esfera (gatunos).
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Semanticamente falando, o vocábulo existe nas mais variadas acepções, as quais vão adiante:–
Capoeira
s.f.– espécie de cesto feito de varas, onde se guardam capões galinhas e outras aves.
Capoeira
s.f.– Local onde fica a criação.
Capoeira
s.f.– Carruagem velha.
Capoeira
s.f.– Tipóia.
Capoeira
– Termo de fortificação, designando a escavação no fundo de um poço seco, guarnecida de um parapeito com seteiras e de um teto de franchões, sobre que se deita uma grossa camada de terra.
Capoeira
s.f.– Espécie de cesto com que os defensores duma fortaleza resguardam a cabeça.
Capoeira
s.f.– Designa uma peça de moinho.
Capoeira
s.f.– Mato que foi cortado.
Capoeira
s.f.– Lenha que se retira da capoeira, lenha miúda.
Capoeira
s.f.– Designa uma ave (Odontophorus capueira, Spix), também conhecida pelo nome de Uru.
Capoeira
s.f.–Espécie de jogo atlético.
Capoeira açu
s.f.– Chamam-se, no Maranhão, a capoeira que tem mais de 12 anos.
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Capoeira mirim
s.f.– Chamam-se, no Maranhão, a capoeira que tem menos de 12 anos.
Capoeira grossa
s.f.– Capoeira onde já existem Arvores grandes e grossas.
Capoeira rala
s.f.– Capoeira que se corte constantemente.
Capoeira de machado
s.f.– Capoeira de grandes arbustos que só pode ser cortada com machado. Em Pernambuco é chamado capoeirão de machado.
Capoeira de foice
s.f.– Capoeira que pode ser cortada com a foice.
Capoeira
s.m..– O que pertence ao jogo da capoeira.
Capoeira
s.m.- Indivíduo desordeiro.
Capoeira
s.m.– Ladrão de galinha.
Capoeira
s.m.– Espécie de veado existente no Nordeste.
Capoeira
s.m.– Matuto, indivíduo na capoeira.
Capoeirão
s.m.– Capoeira bastante grossa.
Capoeirão
s.m.– Termo usado no Recôncavo da Bahia para designar o habitante em terras de capoeira.
Capoeirada
s.f.– Conjunto de capoeira.
Capoeiragem
adj.– Ato de capoeira.
Capoeiroso
adj.– Relativo à capoeira.
Capoeirar
v.– Burlar intentos, ladinar, enganar
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Capoeirar
v.– Prender aves em grandes cestos ou capoeiras.
Encapoeirar
v.– O mesmo que capoeirar.
Encapoeirado
adj.– Metido na capoeira, escondido na região das capoeiras.
Encapoeirado
adj.– Terreno já coberto de capoeira.

domingo, 5 de abril de 2009

MESTRE PASTINHA

Vicente Ferreira Pastinha

 Nascido em 05 abril de 1889, dizia não ter aprendido a Capoeira em escola, mas "com a sorte". Afinal, foi o destino o responsável pela iniciação do pequeno Pastinha no jogo, ainda garoto. 

Em depoimento prestado no ano de 1967, no Museu da Imagem e do Som, Mestre Pastinha relatou a história da sua vida: "Quando eu tinha uns dez anos - eu era franzininho - um outro menino mais taludo do que eu tornou-se meu rival. Era só eu sair para a rua - ir na venda fazer compra, por exemplo - e a gente se pegava em briga. Só sei que acabava apanhando dele, sempre. Então eu ia chorar escondido de vergonha e de tristeza (...)" 

A vida iria dar ao moleque Pastinha a oportunidade de um aprendizado que marcaria todos os anos da sua longa existência. 

"Um dia, da janela de sua casa, um velho africano assistiu a uma briga da gente. 'Vem cá, meu filho', ele me disse, vendo que eu chorava de raiva depois de apanhar. Você não pode com ele, sabe, porque ele é maior e tem mais idade. O tempo que você perde empinando raia vem aqui no meu cazuá que vou lhe ensinar coisa de muita valia. Foi isso que o velho me disse e eu fui (...)" 

Começou então a formação do mestre que dedicaria sua vida à transferência do legado da cultura africana a muitas gerações. Segundo ele, a partir deste momento, o aprendizado se dava a cada dia, até que aprendeu tudo. Além das técnicas, muito mais lhe foi ensinado por Benedito, o africano seu professor. 

"Ele costumava dizer: não provoque, menino, vai botando devagarinho ele sabedor do que você sabe (...). Na última vez que o menino me atacou fiz ele sabedor com um só golpe do que eu era capaz. E acabou-se meu rival, o menino ficou até meu amigo de admiração e respeito (...). 

'Aos doze anos, em 1902, eu fui para a Escola de Aprendiz de Marinheiro. Lá ensinei Capoeira para os colegas. Todos me chamavam de 110. Saí da Marinha com 20 anos (...). Vida dura, difícil. Por causa de coisas de gente moça e pobre, tive algumas vezes a Polícia em cima de mim. Barulho de rua, presepada. Quando tentavam me pegar eu lembrava de mestre Benedito e me defendia. Eles sabiam que eu jogava Capoeira, então queriam me desmoralizar na frente do povo. Por isso, bati alguma vez em polícia desabusado, mas por defesa de minha moral e de meu corpo(...). Naquele tempo, de 1910 a 1920, o jogo era livre. 

'Passei a tomar conta de uma casa de jogo. Para manter a ordem. Mas, mesmo sendo capoeirista, eu não me descuidava de um facãozinho de doze polegadas e de dois cortes que sempre trazia comigo. Jogador profissional daquele tempo andava sempre armado. Assim, quem estava no meio deles sem nenhuma arma bancava o besta. Vi muita arruaça, algum sangue, mas não gosto de contar casos de briga minha. Bem, mas só trabalhava quando minha arte negava sustento. Além do jogo trabalhei de engraxate, vendia gazeta, fiz garimpo, ajudei a construir o porto de Salvador. Tudo passageiro, sempre quis viver de minha arte. Minha arte é ser pintor, artista (...)." 

O ritmo da sua vida foi alterado quando um ex-aluno o levou para apresentar aos mestres que faziam uma roda de Capoeira tradicional, na Ladeira da Pedra, no bairro da Gingibirra, em Salvador, no ano de 1941. 

"Na roda só tinha mestre. O mais mestre dos mestres era Amorzinho, um guarda civil. No apertar da mão me ofereceu tomar conta de uma academia. Eu dei uma negativa, mas os mestres todos insistiram. Confirmavam que eu era o melhor para dirigir a Academia e conservar pelo tempo a Capoeira de Angola." 

Foi na atividade do ensino da Capoeira que Pastinha se distinguiu. Ao longo dos anos, a competência maior foi demonstrada no seu talento como pensador sobre o jogo da Capoeira e na capacidade de comunicar-se. 

"Mas tem muita história sobre o começo da Capoeira que ninguém sabe se é verdadeira ou não. A do jogo da zebra é uma. Diz que em Angola, há muito tempo, séculos mesmo, fazia-se uma festa todo ano em homenagem às meninas que ficavam moças. Primeiros elas eram operadas pelos sacerdotes, ficando igual, assim, com as mulheres casadas. Depois, enquanto o povo cantava, os homens lutavam do jeito que fazem as zebras, dando marradas e coices. Os vencedores tinham como prêmio escolher as moças mais bonitas (...). Bem, mas de uma coisa ninguém duvida: foram os negros trazidos de Angola que ensinaram Capoeira pra nós. Pode ser até que fosse bem diferente dessa luta que esses dois homens estão mostrando agora. Me contaram que tem coisa escrita provando isso. Acredito. Tudo muda. Mas a que a gente chama da Capoeira de Angola, a que aprendi, não deixei mudar aqui na Academia. Essa tem pelo menos 78 anos. E vai passar dos 100, porque meus discípulos zelam por mim. Os olhos deles agora são os meus. Eles sabem que devem continuar. Sabem que a luta serve para defender o homem (...). Saem daqui sabendo tudo, sabendo que a luta é muito maliciosa e cheia de manhas. Que a gente tem de ser calmo. Que não é uma luta atacante, ela espera. Capoeirista bom tem obrigação de chorar no pé do seu agressor. Está chorando, mas os olhos e o espírito estão ativos. Capoeirista não gosta de abraço e aperto de mão. Melhor desconfiar sempre das delicadezas. Capoeirista não dobra uma esquina de peito aberto. Tem de tomar dois ou três passos à esquerda ou à direita para observar o inimigo. Não entra pela porta de uma casa onde tem corredor escuro. Ou tem com o que alumiar os esconderijos da sombra ou não entra. Se está na rua e vê que está sendo olhado, disfarça, se volta rasteiro e repara de novo no camarada. Bem, se está olhando ainda, é inimigo e o capoeirista se prepara para o que der e vier (...)." 

Os conceitos do mestre Pastinha formaram seguidores em todo o país. A originalidade do método de ensino, a prática do jogo enquanto expressão artística formaram uma escola que privilegia o trabalho físico e mental para que o talento se expanda em criatividade. 

"Capoeira de Angola só pode ser ensinada sem forçar a naturalidade da pessoa, o negócio é aproveitar os gestos livres e próprios de cada qual. Ninguém luta do meu jeito mas no jeito deles há toda a sabedoria que aprendi. Cada um é cada um (...). Não se pode esquecer do berimbau. Berimbau é o primitivo mestre. Ensina pelo som. Dá vibração e ginga ao corpo da gente. O conjunto da percussão com o berimbau não é arranjo moderno não, é coisa dos princípios. Bom capoeirista, além de jogar, deve saber tocar berimbau e cantar. E jogar precisa ser jogado sem sujar a roupa, sem tocar no chão com o corpo. Quando eu jogo, até pensam que o velho está bêbado, porque fico todo mole e desengonçado, parecendo que vou cair. Mas ninguém ainda me botou no chão, nem vai botar (...)" 

Vicente Ferreira Pastinha se calou no ano de 1981. Durante décadas dedicou-se ao ensino da Capoeira. Mesmo completamente cego, não deixava seus discípulos. E continua vivo nos capoeiras, nas rodas, nas cantigas, no jogo. 

"Tudo o que eu penso da Capoeira, um dia escrevi naquele quadro que está na porta da Academia. Em cima, só estas três palavras: Angola, capoeira, mãe. E embaixo, o pensamento: 'Mandinga de escravo em ânsia de liberdade, seu princípio não tem método e seu fim é inconcebível ao mais sábio capoeirista." 

sexta-feira, 13 de março de 2009

O PRINCIPE CUSTÓDIO




José Custódio Joaquim de Almeida, Príncipe de Ajudá ( -1935) segundo diversas publicações no Rio Grande do Sul que são objeto de estudos, foi um dirigente tribal africano, exilado no Brasil, onde se tornou famoso como curandeiro e líder religioso.

Ninguém sabe como e nem em que circunstâncias, ao final do século XIX este príncipe governante deixou São João Batista de Ajudá, noDahomey (hoje República de Benim), no passado um dos principais entrepostos de escravos para o Brasil, mas o certo é que ele partiu ante a promessa solene dos Ingleses de que o seu povo não sofreria o que haviam sofrido os grupos vizinhos ante a violência dos Alemães eFranceses.

Os portugueses, antes senhores da região, tinham se contentado com uma parte da Guiné e com as Ilhas de São Tomé e Príncipe cedendo as suas fortalezas. As condições para que o Príncipe de Ajudá não oferecesse qualquer resistência aos invasores, além do respeito à vida dos seus súditos, era a de que se exilasse e jamais voltasse aos seus domínios. E, como parte do convênio, a Grã-Bretanha se comprometia a fornecer-lhe uma subvenção mensal paga em qualquer parte do mundo onde escolhesse residir, por intermédio dos seus representantes consulares.

Por qual motivo o exilado escolheu o Brasil, não se sabe. Talvez por haver aqui grande número de descendentes dos escravos nativos daCosta da Mina - os chamados "pretos-mina" - ou outra qualquer razão. A sua chegada ao país foi assinalada como tendo acontecido em 1864, dois anos depois de ter deixado Ajudá. Inicialmente, fixou-se em Rio Grande. Mais tarde, foi para o interior de Bagé, onde ficou conhecido por manter viva a tradição religiosa do seu povo - com a prática do que agora se conhece como Batuque - além de mostrar conhecimentos das propriedades curativas da flora medicinal brasileira, atendendo a muita gente doente que o procurava, tratando de minorar-lhes os males por meio de ervas e rezas dos ritos africanos.

De Bagé mudou-se para Porto Alegre, onde chegou em 1901, com 70 anos de idade. Foi morar no atual Bairro Cidade Baixa, na Rua Lopo Gonçalves, nº 498, cujos fundos davam para a Rua dos Venezianos (hoje Joaquim Nabuco), mas logo que o Príncipe - que havia adotado o nome brasileiro de Custódio Joaquim de Almeida - ali se instalou, passou a rua a ser preferida pela gente de cor que procurava com isso acercar-se do homem que incontestavelmente, era um líder de sua raça.

O Príncipe Custódio - como então era chamado - iniciou ali uma nova etapa de sua aventurosa vida, cercando-se em Porto Alegre de um aparato digno de um verdadeiro fidalgo.

A família do príncipe de Ajudá aos poucos foi crescendo e não demorou a atingir o número de 26 pessoas, sem contar os empregados em boa quantidade.

Os fundos da casa onde morava serviam como sua coudelaria, pois possuía nada menos do que nove cavalos de raça - alguns importados daInglaterra - os quais todos os domingos disputavam corridas. Para manter e cuidar esses animais havia um grupo selecionado de empregados,jóqueis, etc., sob a supervisão direta do Príncipe, que se classificava como "tratador".

O Príncipe Custódio tinha oito filhos, três homens e cinco mulheres (atualmente ainda estão vivos um homem - Dionísio Joaquim Almeida, funcionário aposentado da EBCT - em Porto Alegre, e duas senhoras, uma residindo no Rio de Janeiro e outra em São Paulo) e para esses oito filhos, quando pequenos, mantinha quatro empregados, um para cada dois.

Seus conhecimentos de idioma português não eram muito corretos, porém podia expressar-se fluentemente em inglês e francês, além de falar ainda vários dialetos das tribos africanas que havia governado.

As festas que promovia periodicamente em sua casa - notadamente na data de seu aniversário - duravam três dias com a casa sempre cheia de gente, da manhã à noite, quando se comia e se bebia do bom e do melhor, ao som dos tambores africanos que batucavam sem parar naquelas setenta e duas horas. Nesses dias, o Príncipe recebia a visita da gente mais ilustre da cidade, inclusive do presidente do Estado,Borges de Medeiros que, conhecendo a ascendência daquele homem sobre a população de cor, ia felicitá-lo, talvez mais por motivos políticos do que por outra coisa.

Naquelas festividades era certo o comparecimento de senhoras e cavalheiros da melhor sociedade porto-alegrense, além de capitães da indústria e comércio que dele precisavam o apoio para o perigo de greves e outras imposições. As mais finas bebidas eram importadas diretamente da Europa, especialmente para aquelas ocasiões especiais, embora elas nunca faltassem à mesa do príncipe exilado.

A casa do príncipe vivia sempre lotada de gente, de visitantes e de pessoas que ele encontrava nas ruas e lhe pediam auxílio. Mandava essas pessoas embarcarem na carruagem em que estivesse e as levava para a sua residência onde sempre havia lugar para mais um. Todos ali ficavam até que quisessem ir embora. Entre os que viveram muito tempo junto ao príncipe estava um branco, descendente de alemães oriundo de São Sebastião do Caí, que tinha feito estudos de Medicina e dessa maneira o auxiliava no atendimento aos doentes que continuamente o procuravam em busca dos remédios e dos "trabalhos" religiosos.

Para os rigores do inverno o Príncipe Custódio adotou o poncho gaúcho, embora não dispensasse o gorro que marcava a sua personalidade, não o deixando nem quando visitava o Palácio Piratini onde sempre era bem vindo e onde havia ordens superiores de bom atendimento, e onde ele muitas vezes usava o seu prestígio para conseguir alguma coisa que lhe fosse solicitada por qualquer membro de sua comunidade.

Durante todos os anos em que viveu em Porto Alegre - 31 ao todo - nunca manteve correspondência ostensiva com parentes ou amigos deixados em terras africanas. De lá recebia informações e daqui envia notícias suas em mãos por intermédio de marítimos que tripulavam vapores vindos à nossa metrópole transportando e levando mercadorias. Também nunca se soube o teor dessas correspondências. De incentivo ao seu povo para uma possível rebelião não era. Pois ele sabia ser isso humanamente impossível. Além disso, a Inglaterra, em todo o longo período do seu exílio, sempre cumpriu religiosamente o que fora estipulado. Mensalmente o consulado britânico local entregava-lhe um saquinho cheio de libras esterlinas, cuja troca em mil-réis servia para manter a pequena corte da Rua Lopo, a família numerosa, os agregados, os empregados, e ainda serviam àqueles que o procuravam nos momentos de aperturas financeiras.

No verão, em janeiro, o programa era conhecido. Ia todo mundo para a casa de propriedade de Custódio Joaquim de Almeida, na Praia de Cidreira. A viagem para o velho balneário era qualquer coisa de sensacional e folclórico. Embora fosse dono de carruagem e tivesse dinheiro para alugar quantas diligências quisesse, o príncipe gostava de viajar em carretas puxadas por bois na maior calma e na mais incrível lentidão. E ainda mais: a viagem era feita por etapas em ritmo de passeio, parando em muitos lugares onde ele era sempre esperado com festas e cerimônias religiosas africanas, muita comida e muita bebida, pois todos sabiam que tudo seria pago pelo viajante ilustre. Dessa maneira nunca o trajeto de Porto Alegre à Cidreira era feito em menos de uma semana. Quando eram gastos apenas cinco dias, considerava-se um recorde de velocidade.

Com as carretas de transporte dos passageiros seguiam outras carregadas de mantimentos, inclusive muitos sacos de milho e dezenas de fardos de alfafa, aos cuidados dos empregados, pois os cavalos de corrida do príncipe também iam aos banhos de mar. Isso, ele como treinador e tratador, fazia questão fechada.

A maior festa que a Cidade Baixa já viu foi quando Príncipe Custódio completou cem anos de idade. Nesse dia muita gente "bem" foi abraçá-lo em sua casa, e ele, dando demonstração de sua vitalidade exuberante, montou a cavalo sem receber qualquer ajuda. Aliás, isto ele fez até poucos dias antes de sua morte, quatro anos depois.

No dia 26 de Maio de 1936 morreu o Príncipe Custódio aos 104 anos de existência. Seu velório e seu enterro, atendendo ao pedido expresso do morto, foi feito dentro das tradições africanas com muito batuque e muitos "trabalhos", em intenção do morto.

Com ele desapareceu uma das figuras mais impressionantes e esquisitas da nossa cidade, e muita gente ficou desamparada, pois a subvenção paga mensalmente em libras pelo governo inglês extinguiu-se com a morte do príncipe de Ajudá.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

TEXTO DE 1922


O NOSSO JOGO
Coelho Netto, O BAZAR " 1922
"Transcrevendo-o do Correio do Povo, de Porto Alegre, publicou O Paiz em seu número de 22 do corrente, um artigo com o título: "Cultivemos o jogo de capoeira e tenhamos asco pelo do Box", firmado pelo correspondente do jornal gaúcho nesta cidade, Dr. Gomes Carmo.
Concordamos in limini com o que diz o articulista, valho-me da oportunidade que me abre tal escrito para tornar a um assunto sobre o qual já me manifestei e que também já teve por ele a pena diamantina de Luiz Murat.
A capoeiragem devia ser ensinada em todos os colégios, quartéis e navios, não só porque é excelente ginástica, na qual se desenvolve, harmoniosamente, todo o corpo e ainda se apuram os sentidos, como também porque constitui um meio de defesa pessoal superior a todos quantos são preconizados pelo estrangeiro e que nós, por tal motivo apenas, não nos envergonhamos de praticar.
(negrito do Editor)
Todos os povos orgulham-se dos seus esportes nacionais, procurando, cada qual dar primazia ao que cultiva. O francês tem a savate, tem o inglês o boxe; o português desafia valentes com o sarilho do varapau; o espanhol maneja com orgulho a navalha catalã, também usada pelo "fadista" português; o japonês julga-se invencível com o seu jiu-jitsu e não falo de outros esportes clássicos em que se treinam, indistintamente, todos os povos, como a luta, o pugilato a mão livre, a funda e os jogos d`armas.
Nós, que possuímos os segredos de um dos exercícios mais ágeis e elegantes, vexamo-nos de o exibir e, o que mais é, deixamo-nos esmurraçar em ringues por machacazes balordos que, com uma quebra de corpo e um passe baixo, de um "ciscador" dos nossos, iriam mais longe das cordas do que foi Dempsey à repulsa do punho de Firpo.
O que matou a capoeiragem entre nós foi...a navalha. Essa arma, entretanto, sutil e covarde, raramente aparecia na mão de um chefe de malta, de um verdadeiro capoeira, que se teria por desonrado se, para derrotar um adversário, se houvesse de servir do ferro.
Os grandes condutores de malta " guaymús e nagôs, orgulhavam-se dos seus golpes rápidos e decisivos e eram eles, na gíria do tempo: a cocada, que desmandibulava o camarada ou, quando atirada ao estomago, o deixava em síncope, estabelecido no meio da rua, de boca aberta e olhos em alvo; o grampeamento, lanço de mão aos olhos, com o indicador e o anular em forquilha, que fazia o mano ver estrelas; o cotovelo em ariete ao peito ou ao flanco; a joelhada; o rabo de raia, risco com que Cyriaco derrotou em dois tempos, deixando-o sem sentidos, ao famoso campeão japonês de jiu-jitsu; e eram as rasteiras, desde a de arranque, ou tesoura, até a baixa, ou bahiana; as caneladas, e os pontapés em que alguns eram tão ágeis que chegavam com o bico quadrado das botinas ao queixo do antagonista; e, ainda, as bolachas, desde o tapa-olho, que fulminava, até a de beiço arriba, que esborcinava a boca ao puaia. E os ademanes de engano, os refugos de corpo, as negaças, os saltos de banda, à maneira felina, toda uma ginástica em que o atleta parecia elástico, fugindo ao contrário como a evitá-lo para, a súbitas, cair-lhe em cima, desarmando-o fazendo-o mergulhar num "banho de fumaça".
Era tal a valentia desses homens que, se fechava o tempo, como então se dizia, e no tumulto alguém bradava um nome conhecido como:Boca-queimada, Manduca da Praia, Trinca-espinha ou Trindade, a debandada começava por parte da polícia e viam-se urbanos e permanentes valendo-se das pernas para não entregarem o chanfalho e os queixos aos famanazes que andavam com eles sempre de candeias às avessas.

"Dessa geração celebérrima fizeram parte vultos eminentes na política, no professorado, no exército, na marinha como " Duque Estrada Teixeira, cabeça cutuba tanto na tribuna da oposição como no mastigante de algum paróla que se atrevesse a enfrentá-lo à beira da urna: capitão Ataliba Nogueira; os tenentes Lapa e Leite Ribeiro, dois barras; Antonico Sampaio, então aspirante da marinha e por que não citar também Juca Paranhos, que engrandeceu o título de Rio Branco na grande obra patriótica realizada no Itamaraty, que, na mocidade, foi bonzão e disso se orgulhava nas palestras íntimas em que era tão pitoresco.
A tais heróis sucederam outros: Augusto Mello, o cabeça de ferro; Zé Caetano, Braga Doutor, Caixeirinho, Ali Babá e, sobre todos o mais valente, Plácido de Abreu, poeta comediógrafo e jornalista, amigo de Lopes Trovão, companheiro de Pardal Mallet e Bilac no O COMBATE, que morreu, com heroicidade de amouco, fuzilado no túnel de Copacabana, e só não dispersou a treda escolta, apesar de enfraquecido, como se achava , com os longos tratos na prisão, porque recebeu a descarga pelas costas quando caminhava na treva, fiado na palavra de um oficial de nome romano.
Caindo de encontro às arestas da parede áspera ainda soergue-se, rilhando os dentes, para despedir-se com uma vilta dos que o haviam covardemente atraiçoado. Eram assim os capoeiras de então.
Como os leões são sempre acompanhados de chacais, nas maltas de tais valentes imiscuíam-se assassinos cujo prazer sanguinário consistia em experimentar sardinhas em barrigas do próximo, deventrando-as.
O capoeira digno não usava navalha: timbrava em mostrar as mãos limpas quando saia de um turumbamba.
Generoso, se trambolhava o adversário, esperava que ele se levantasse para continuar a luta porque: "Não batia em homem deitado"; outros diziam com mais desprezo: "em defunto".
Nos terríveis recontros de guaiamus e nagôs, se os chefes decidiam que uma questão fosse resolvida em combate singular, enquanto os dois representantes da cores vermelha e branca se batiam as duas maltas conservam-se à distância e, fosse qual fosse o resultado do duelo, de ambos os lados rompiam aclamações ao triunfador.
Dado, porém, que, em tais momentos, estrilassem apitos e surgissem policiais, as duas maltas confraternizavam solidárias na defesa da classe e era uma vez a Força Pública, que deixava em campo, além do prestigio, bonés em banda e chanfalhos à ufa.
O capoeira que se prezava tinha oficio ou emprego, vestia com apuro e. se defendia uma causa, como aconteceu com do abolicionismo, não o fazia como mercenário.
O capanga, em geral, era um perrengue, nem carrapeta, ao menos , porque os carrapetas, que formavam a linha avançada, com função de escoteiros, eram rapazolas de coragem e destreza provadas e sempre da confiança dos chefes.
Nos morros do Vintém e do Néco reuniam-se, às vezes, conselhos nos quais eram severamente julgados crimes e culpas imputados a algum dos das farandulas. Ladrões confessos eram logo excluídos e assassinos que não justificassem com a legitima defesa o crime de que fossem denunciados eram expulsos e às vezes, até, entregues a policias pelos seus próprios chefes.
Havia disciplina em tais pandilhas.
Quanto às provas de superioridade da capoeiragem sobre os demais esportes de agilidade e força são tantas que seria prolixa a enumeração.
Além dos feitos dos contemporâneos de Boca queimada e Manduca da Praia, heróis do período áureo do nosso desestimado esporte, citarei, entre outros, a derrota de famosos jogador de pau, guapo rapagão minhoto, que Augusto Mello duas vezes atirou de catrambias no pomar da sua chacarinha em Vila Isabel onde, depois da luta e dos abraços de cordialidade, foi servida vasta feijoada. Outro: a tunda infligida um grupo de marinheiros franceses de uma corveta Pallas, por Zé Caetano e dois cabras destorcidos. A maruja não esteve com muita delonga e, vendo que a coisa não lhe cheirava bem em terra, atirou-se ao mar salvando-se, a nado, da agilidade dos três turunas, que a não deixavam tomar pé.
A última demonstração da superioridade da capoeiragem sobre um dos mais celebrados jogos de destreza deu-nos o negro Cyriaco no antigo Pavilhão Paschoal Segreto fazendo afocinhar, com toda a sua ciência, o jactancioso japonês, campeão do jiu-jitsu.
Em 1910, Germano Haslocjer, Luiz Murat e quem escreve estas linhas pensaram em mandar um projeto a Mesa da Câmara dos Deputados tornando obrigatório o ensino da capoeiragem nos institutos oficias e nos quartéis. Desistiram, porém, da idéia porque houve quem a achasse ridícula, simplesmente, por tal jogo era...brasileiro.
Viesse-nos ele com rótulo estrangeiro e tê-lo-íamos aqui, impando importância em todos os clubes esportivos, ensinado por mestres de fama mundial que, talvez, não valessem um dos nossos pés rapados de outrora que, em dois tempos, mandariam um Firpo ou um Dempsey ver vovó, com alguns dentes a menos algumas bossas de mais.
Enfim...Vamos aprender a dar murros " é esporte elegante, porque a gente o pratica de luvas, rende dólares e chama-se Box, nome inglês. Capoeira é coisa de galinha, que o digam os que dele saem com galos empoleirados no alto da sinagoga.
É pena que não haja um brasileiro patriota que leva a capoeiragem a Paris, batisando-a, com outro nome, nas águas do Sena, como fez o Duque com o Maxixe.
Estou certo de que, se o nosso patriotismo lograsse tal vitória até as senhoras haviam de querer fazer letras, E que linda seriam as escritas! Mas, se tal acontecesse, sei lá ! muitas cabeçadas dariam os homens ao verem o jogo gracioso das mulheres".

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Texto de Mestre Cobra Mansa


A Capoeira, como Mestre Pastinha disse, é tudo que a boca come. E como o ar, sabemos que está lá, respiramos e precisamos dele; contudo, não podemos capturá-lo. A Capoeira não pode ser limitada a um grupo de praticantes, por uma organização formal e muito menos por um grupo de Mestres que clamam o monópolio sobre ela. A Capoeira vai além de todos nós. Nenhuma sociedade, comunidade, ou indivíduo jamais irá controla-la.Então, se praticamos a capoeira para nos afastarmos daquilo que ha de tradicional e repressivo dentro da sociedade e que desaprovamos tão fortemente, porque quereriamos institucionalizá-la? Nos parece um tanto contraditorio, já que institucionalização significa seguir profundamente todos os protocolos e leis detalhadas da sociedade para que nos enquadremos nos esquemas administrativos e corporativos com alguma prática e sentido reais: independência fiscal, oportunidades de doações, coesão administrativa e grupal, etc. Grupos diferentes de Capoeira, dentro da história e mais ainda nesta últimas décadas, tentaram criar uma instituição ou organização paralela somente para a Capoeira, e se tornaram tão restritas e repressivas como a instituição original da qual eles haviam tentado se afastar. Em todas as partes do mundo nós vemos a corrupção e escândalos que instituições e indivíduos fazem. O sistema controla vários setores da sociedade com um número pequeno de pessoas tendo o monopólio absoluto sobre estes. Se olharmos para o Brasil como exemplo, vemos o carnaval e outras manifestações criadas pelo povo que foram institucionalizadas. O povo que originalmente os criou foram os que mais perderam com isso. Antes de pensarmos em institucionalização da Capoeira, nós temos que perguntar porque querem nos organizar?? Porque quereriamos uma instituição para controlar o nosso estilo de vida? Quem vai ganhar com isso? A Capoeira? O capoeirista? Os burocratas? Será que estas instituições são realmente necessárias? Quem as controlara? Porque elas tem que ser tão repressivas, elitistas e ditatoriais? Podemos confiar nestas instituições e nos seus líderes moralmente, financeiramente, fisicamente e espiritualmente? O que é que nós queremos? Nós queremos a institucionalização da Capoeira, ou uma comunidade de Capoeira que trabalhe com "o sistema" para obter honestamente o que precisamos sem nos inclinarmos para o que este sistema tem a nos oferecer? Embora estejamos abertos para crescermos no espírito e conhecimento da Capoeira, queremos evitar a imposição de valores de um grupo de pessoas e burocratas que já tenham criado as suas próprias escalas de valores. Queremos uma comunidade que celebre e encoraje a individualidade e a cooperação entre seus membros; uma comunidade mundial de capoeira que respeite diferentes valores, crenças, pontos de vista, práticas, etc; em resumo, o que queremos e uma comunidade que respeite as nossas diferentes estórias e histórias, as nossas vidas diferentes e o nosso crescimento em direções variadas para o seu próprio fortalecimento. Pois, e isto o que nós todos teremos para oferecer através do entedimento e do amor sob a prática e o espírito da Capoeira.

Mestre Cobra Mansa

Nos tempos em que a vida na terra era plena, ninguém dava atenção aos homens notáveis, nem distiguiam o homem de habilidades... os governantes eram apenas os ramos mais altos das árvores e o povo como os cervos na floresta... eram honestos e justos sem se darem conta de que estavam "cumprindo o seu dever"... amavam-se uns aos outros, mas não sabiam o significado de "amar o próximo"... a ninguém iludiam, mas nenhum deles se julgavam "um homem de confiança"... eram fidedignos, mas desconheciam que isso fosse boa fé... viviam juntos em liberdade dando e recebendo, mas não sabiam que eram generosos... por esses motivos seus feitos não foram narrados... eles não deixaram história!

"Nunca discuta com um idiota. Ele leva a discussão até o nível dele e depois ganha pela experiência."