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Embora a proposta do blog seja a publicação de textos sobre Capoeira não poderíamos deixar de postar este excelente documentário produzido pelo pesquisador Fred Abreu, que tem muito conteúdo e conta com a participação de diversos Mestres, Babalorixás, Coreógrafos falando coisas importantes sobre a Capoeira.

Documentário - A Arte da Capoeira

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segunda-feira, 4 de maio de 2009

O TERMO CAPOEIRA




O Termo Capoeira

CAPOEIRA ANGOLA ensaio sócio-etnográfico
SalvadorEditora Itapoan1968
Edição original Waldeloir Rego – Editora Itapoan, 1968 – In-8º de 417 páginas.

O vocábulo capoeira foi registrado pela primeira vez em 1712, por Rafael Bluteau, seguido por Moraes em 1813, na segunda e última edição que deu em vida de sua obra. Após, entrou no terreno da polémica e da investigação etimológica. A primeira proposição que se tem notícia é a de José de Alencar em 1865, na primeira edição de Iracema, repetida em 1870, em O Gaucho e sacramentada em 1878, na terceira edição de Iracema. Propôs Alencar para o vocábulo capoeira o tupi caa-apuam-era , traduzido por ilha de mato já cortado. Não demorou nada, para que em 1880, dois anos depois, Macedo Soares a refutasse com violência, dizendo que o nosso exímio romancista sabia muito do idioma português, pouco do dialeto brasileiro e menos da língua dos brasis. O conselheiro Henrique de Beaurepaire Rohan, também Visconde de Beaurepaire Rohan, entre outras 18 centenas de títulos, que em 1879 havia proposto o tupi co-puera, significando roça velha, na Revista Brasileira viu-se também criticado pela pena de Macedo Soares. Exteriorizando, assim, sua indignação, brada o velho mestre:
Vimos ultimamente uma nova etimologia de capoeira, dada pelo Sr. conselheiro Henrique Beaurepaire Rohan, nesta Revista, II, 426, a qual nos não parece aceitável. Traz S.Ex.a copuera, roça velha; mas não explica como de copuera se fez capoêra. Nem se podia, senão por exceção fazer. Todas as palavras guaranis que começam por cá, mato, folha, planta, erva, pau, ao passarem para o português, guardavam a sílaba cá, sem corrupção. E não podia deixar de guardar, por ser parte substancial dos compostos que assim ficaram constituídos como palavras inteiras. E vice-versa, nas palavras portuguesas começadas por cá derivadas do guarani, significando coisa de mato, folha, pau, planta ou erva, o cá e o guarani caá. Não há exceção, e os exemplos formigam.
Com isso ficou aberta a polémica entre Beaurepaire Rohan e Macedo Soares. Desse modo, sem perda de tempo, no mesmo ano, porém no volume terceiro da Revista Brasileira, Beaurepaire Rohan, com um artigo intitulado; Sobre a etimologia do vocábulo brasileiro capoeira, dá a seguinte lição: –
Na Revista Brasileira de 15 de fevereiro último sob o título Estudos lexicográficos do dialeto brasileiro, discute o Sr. Dr Macedo Soares a etimologia e a significação dos vocábulos capão, capoeira, restinga.
Neste meu ligeiro escrito não me ocupei senão do vocábulo capoeira, atendendo a que a etimologia que dele apresentei não parece aceitável ao ilustre filólogo. Entremos na matéria.
Diz o Sr. Dr. Macedo Soares que – Capuêra, Capoêra é pura e simplesmente o guarani caá-puêra, mato que foi, atualmente mato miúdo que nasceu no lugar do mato virgem que se derrubou.
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E mais adiante: Capoeira ou caá-puêra significa mato virgem que já não é, que foi botado abaixo, e em seu lugar nasceu mato fino e raso.
Tão defeituosa definição que prova que o Sr. Dr. Macedo Soares ainda não compreendeu bem o sentido genuíno do adjetivo puêra.
Puêra não pode significar ao mesmo tempo o que foi e o que é, o passado e o presente. Puêra é sempre a expressão do pretérito.
E se caá-puera significa mato que deixou de existir seria um verdadeiro contra-senso estender semelhante significação a um acidente florestal que vive em plena atualidade, bem patente aos olhos e ao alcance de todos. Caá-puera não pode portanto ser a etimologia de capoeira. Outra devemos procurar, e a encontraremos, sem a menor dúvida, no vocábulo có-puera.
Se no sentido de roça que deixou de existir tem esse vocábulo uma significação diversa daquela que ligamos a capoeira, é todavia fácil reconhecer o motivo da confusão. Atenda-me o Sr. Dr. Macedo Soares.
Logo que uma roça é abandonada, aparece nela uma vegetação expontânea que se desenvolve a ponto de formar um mato. E esse o mato de coó-puera, que mais tarde se chamou mato de capuera como ainda hoje o dizem muitos íncolas, e finalmente por abreviação, capoeira que e a expressão mais usual. Essa transformação de copuêra em capoeira, que tão estranha parece ao distinto literato, é devida, pura e simplesmente, à semelhança dos dois vocábulos, semelhança que facilitou a mudança do o e em a. São muitos os casos em que tais substituições se tem operado sem quebra da primitiva significação de um vocábulo. E assim que tobatinga se transformou em tabatinga; tabajara em tobajara; caryboca em coriboca ou curiboca; e finalmente na própria língua portuguesa devação em devoção. Já vê o ilustre Sr. Macedo Soares que, por este lado, não pode haver a menor dificuldade em admitir que a antiga copêra seja a capoeira de agora. E isto mais simples do que a metamorfose de âruâ em aluá.
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Nas relações vulgares estão de há muito perdidas as tradições etimológicas de capoeira. Por mato de capoeira ou simplesmente capoeira, entendemos, atualmente todo e qualquer mato de medíocre estatura, quer se desenvolva em roças abandonadas, quer substitua a mata virgem que se derrubou, quer enfim cubra terrenos onde não haja vestígios quaisquer nem de roças nem de matas primitivas. São sempre matos mais ou menos enfezados, que aliás vão com o tempo adquirindo certas proporções, passam ao estado de capoeirões, e, dentro de algumas dezenas de anos, acabam por constituir florestas que se confundem perfeitamente com as matas antigas. E o que, por exemplo, se observa nas extintas missões jesuíticas de Guayra. Não sei se me exprimi de modo a convencer o Sr. Dr. Macedo Soares. Em todo caso felicito-me por ter tido a oportunidade de discutir com um literato tão estimável qual sempre o considerei. E para lhe dar mais uma prova do meu interesse pelo trabalho lexicográfico que tem entre mãos, acrescentarei que tiguéra não tem a significação de roça velha. Aquele vocábulo refere-se especialmente ao restolho de um milharal. No Rio de Janeiro lhe chamam palhada, e em certos lugares de Minas Gerais palha. Soltar os animais na palha, na palhada, no restolho ou na tiguéra é uma e a mesma coisa.
É quanto me cumpria dizer.
Ao lado dessa polémica, as investigações prosseguiram e proposições novas surgiram. Ainda no século passado se lê na Poranduba Amazonense a forma caápoêra, assim como se vê o Visconde de Pôrto Seguro, depois de discorrer em torno das acepções dos vocábulos capão e capoeira, aconselhar se escreva capoêra.
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Atualmente são quase unânimes os tupinólogos em aceitarem o étimo caá, mato, floresta virgem, mais puêra, pretérito nominal que quer dizer o que foi, o que não existe mais, étimo este proposto em 1880 por Macedo Soares. Portanto, pensando assim, estão Rodolfo Garcia, Stradelli, Teodoro Sampaio, Tastevin e Friederici que, além de reconhecer um mesmo étimo para tupi e para língua geral, define como Stellen und Streken ehemaligen Urwaldes, die Wieder mit Jungholz-Neuwuchs besidelt sind. Afora Montoya que em 1640 propôs, cocûera, chacara vieja dexada ya, Beaurepaire Rohan propôs, em 1879 a forma co-puera, roça velha. Em nossos dias, pensa assim Frederico Edelweiss que, em nota ao livro de Teodoro Sampaio, O Tupi na Geografia Nacional, refutou o étimo corrente, para dizer que
essa opinião errónea é muito espalhada. Capueira vem de kopuera – roça abandonada da qual o mato já tomou conta. A troca do o para a 22 deve-se a influência da palavra mais corrente káá, mato. Entretanto, o índio nunca chamaria ao mato novo de antigo roçado kaá-pûera – mato extinto, quando a capoeira é, na verdade, um mato renascido.
Existe no Brasil uma ave chamada capoeira (Odontophorus capueira, Spix), que além de ser encontrada no Paraguai se acha espalhada no sul da Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais, sul de Goiás, sudoeste de Mato Grosso, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. E também chamada uru, Uma espécie de perdiz pequena, anda sempre em bandos, e no chão. E mencionada freqüentemente nas obras dos viajantes, mui especial na do Príncipe de Wied-Neuwied. Depois de dizer que o canto da capoeira só é ouvido ao amanhecer e ao anoitecer, Macedo Soares, transcrevendo Wappoeus informa que a referida ave é uma pequena perdiz de voo rasteiro, de pés curtos, de corpo cheio, listrado de amarelo escuro, cauda curta e que habita em todas as matas. Tem um canto singular, que é antes um assobio trémulo e contínuo do que canto modulado. E também caça muito procurada e que se domestica com facilidade.. No mesmo local, Macedo Soares informa que o canto da capoeira era utilizado através do assobio pelos caçadores no mato 23 como chama, e os moleques pastores ou vigiadores de gado para chamarem uns aos outros e também ao gado. Dessa forma o moleque ou o escravo que assim procedia era chamado capoeira.
Ainda com ligações à ave é Nascentes que em 1955, na Revista Brasileíra de Filologia, apresenta uma proposição diferente da que deu à luz em 1932, em seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa e em 1943, quando concluiu a redação da última ficha do dicionário que a Academia Brasileira de Letras lhe encomendara. Nascentes ao explicar como o jogo de capoeira se liga à ave, informa que o macho da capoeira e muito ciumento e por isso trava lutas tremendas com o rival, que ousa entrar em seus domínios. Partindo dessa premissa, explica que Naturalmente, os passos de destreza desta luta, as negaças, foram comparadas com os destes homens que na luta simulada para divertimento lançavam mão apenas da agilidade.
Ao lado do vocábulo genuinamente brasileiro de origem tupi, há o português, significando entre outras coisas cesto para guardar capões, já com abonações clássicos, como a que se segue de Fernão Mendes Pinto, onde o vocábulo aparece bem caracterizado: –
E pondo recado & boa vigia no que conviha, nos deixamos estar esperando pela manham; & As duas horas depois da meya noite enxergamos ao Orizonte do mar tres cousas pretas rentes com a agoa, & chamamos logo o Capitão q a este tempo estava no conves deitado encima de huma capoeyra, & lhe mostramos o q viamos, o qual tanto q vio tambem, se determinou muyto depressa, & bradou por tres ou quatro vezes, armas, armas, o que logo se satisfez em muyto breve espaço.
Daí Adolfo Coelho derivar o vocábulo de capão mais o sufixo eira, seguido por 24 Cortesão. Nascentes, no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa segue as pegadas de Adolfo Coelho, limitando-se a fazer a derivação do vocábulo sem mais nenhuma explicação. Entretanto já no Dicionário da Língua Portuguesa elaborado pela Academia Brasileira de Letras inclui sob a mesma origem, capoeira (jogo) e capoeira o homem que pratica o jogo da capoeira, sem contudo ainda explicar o que determinou o étimo.
Tendo como base capão, do qual Adolfo Coelho tirou o étimo de capoeira para o português, Beaurepaire Rohan faz o mesmo para o vocábulo capoeira na acepção brasileira, apresentando em defesa de sua opinião a seguinte explicação: –
Como o exercício da capoeira, entre dois indivíduos que se batem por mero divertimento, se parece um tanto com a briga de galos, não duvido que este vocábulo tenha sua origem em Capão, do mesmo modo que damos em português o nome de capoeira a qualquer espécie de cesto em que se metem galinhas.
Brasil Gerson, o historiador das ruas do Rio de Janeiro, fazendo a história da rua da Praia de D. Manoel, mais tarde simplesmente rua de D. Manoel, informa que lá ficava o nosso grande mercado de aves e que nele nasceu o jogo de capoeira, em virtude das brincadeiras dos escravos que povoavam toda a rua, transportando nas cabeças as suas capoeiras cheias de galinhas. Partindo dessa informação é que o pioneiro de nossos estudos etimológicos, o ilustre mestre Antenor Nascentes 25 se escudou para propor novo étimo para o vocábulo capoeira designando o jogo atlético, assim como o praticante do mesmo. Por carta de 22 de fevereiro de 1966, que tive a honra de receber, Nascentes deixa bem claro o seu pensamento:–
A etimologia que eu hoje aceito para Capoeira é a que vem no livro de Brasil Gerson sobre as ruas do Rio de Janeiro.
Os escravos que traziam capoeiras de galinhas par vender no mercado, enquanto de ele se abria, divertiam-se jogando capoeira. Por uma metonímia res pro persona, o nome da coisa passou para a pessoa com ela relacionada.
Como se vê, as proposições divergem umas das outras, fazendo com que não se tenha uma doutrina firmada sobre este ou aquele étimo. Creio que só se pode pensar em nova proposição com o desenvolvimento dos estudos sobre o negro no Brasil, o que, praticamente, está por se fazer. Caso contrário, estaremos sempre construindo algo sem ter alicerces para plantar, que no caso seria o conhecimento de novos documentos, relativos ao negro.
O vocábulo capoeira, em suas diversas acepções está espalhado em todo o território nacional como no Amazona, Para, Maranhão, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Goiás, Rio Grande 26 do Sul. De um modo geral, está registrado em glossários regionais e especializados, como no de Clado Ribeiro Lesa Teschauer, Viotti, Agenor Lopes de Oliveira, Nascentes, Bernardino José de Souza, Cascudo, Plínio Ayrosa, Rodolfo Garcia, e outros. E bom lembrar, aqui, que, dentre os brasileirismos que Alberto Bessa incluiu na sua A Gíria Portuguesa, está o vocábulo capoeira que ele define como jogo de mãos, pés e cabeça, praticado por vadios de baixa esfera (gatunos).
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Semanticamente falando, o vocábulo existe nas mais variadas acepções, as quais vão adiante:–
Capoeira
s.f.– espécie de cesto feito de varas, onde se guardam capões galinhas e outras aves.
Capoeira
s.f.– Local onde fica a criação.
Capoeira
s.f.– Carruagem velha.
Capoeira
s.f.– Tipóia.
Capoeira
– Termo de fortificação, designando a escavação no fundo de um poço seco, guarnecida de um parapeito com seteiras e de um teto de franchões, sobre que se deita uma grossa camada de terra.
Capoeira
s.f.– Espécie de cesto com que os defensores duma fortaleza resguardam a cabeça.
Capoeira
s.f.– Designa uma peça de moinho.
Capoeira
s.f.– Mato que foi cortado.
Capoeira
s.f.– Lenha que se retira da capoeira, lenha miúda.
Capoeira
s.f.– Designa uma ave (Odontophorus capueira, Spix), também conhecida pelo nome de Uru.
Capoeira
s.f.–Espécie de jogo atlético.
Capoeira açu
s.f.– Chamam-se, no Maranhão, a capoeira que tem mais de 12 anos.
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Capoeira mirim
s.f.– Chamam-se, no Maranhão, a capoeira que tem menos de 12 anos.
Capoeira grossa
s.f.– Capoeira onde já existem Arvores grandes e grossas.
Capoeira rala
s.f.– Capoeira que se corte constantemente.
Capoeira de machado
s.f.– Capoeira de grandes arbustos que só pode ser cortada com machado. Em Pernambuco é chamado capoeirão de machado.
Capoeira de foice
s.f.– Capoeira que pode ser cortada com a foice.
Capoeira
s.m..– O que pertence ao jogo da capoeira.
Capoeira
s.m.- Indivíduo desordeiro.
Capoeira
s.m.– Ladrão de galinha.
Capoeira
s.m.– Espécie de veado existente no Nordeste.
Capoeira
s.m.– Matuto, indivíduo na capoeira.
Capoeirão
s.m.– Capoeira bastante grossa.
Capoeirão
s.m.– Termo usado no Recôncavo da Bahia para designar o habitante em terras de capoeira.
Capoeirada
s.f.– Conjunto de capoeira.
Capoeiragem
adj.– Ato de capoeira.
Capoeiroso
adj.– Relativo à capoeira.
Capoeirar
v.– Burlar intentos, ladinar, enganar
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Capoeirar
v.– Prender aves em grandes cestos ou capoeiras.
Encapoeirar
v.– O mesmo que capoeirar.
Encapoeirado
adj.– Metido na capoeira, escondido na região das capoeiras.
Encapoeirado
adj.– Terreno já coberto de capoeira.